Vozes e silêncios (Clécia Santos)

Escrever poemas curtos requer habilidade e talento, pois é nesse breve versejar que a poesia se fixa na memória dos leitores. Esse traço de concisão poemática é inaugurado dentro da tradição modernista que permitiu serem geradas composições
“pocket”, férteis de sentido, espécies de pílulas poéticas em versos instantâneos, algumas até usando o humor. Herdeiros dessa tradição, na contemporaneidade, encontramos como desdobramentos vanguardistas: o concretismo e o neoconcretismo, a poesia-práxis, a poesia marginal, o poema processo, que misturam tendências e são dados ao experimentalismo formal. 

Com o advento da internet, espaço virtual para suporte de textos em variados formatos, criou-se também um novo palco para novas formas poéticas movidas pela brevidade, colaborando para que a tradição modernista se renove e esteja ao alcance dos leitores e leitoras.

No caso do poetrix, poemeto contemporâneo criado pelo baiano Goulart Gomes, no final da década de 1990, que contém até 30 sílabas métricas, distribuídas em uma estrofe única, tecida em terceto. Recomenda-se, ainda, a surpresa, a revelação de algo inusitado que a poesia manifesta. Não se trata apenas da disposição de palavras no poema, mas principalmente da imagem que ele produz. Assim como outros formatos poéticos marcados pela brevidade, o poetrix requer uma leitura diferente dos versos tradicionais. Em outras palavras, proporciona uma experiência mais fluida de leitura, de compreensão imediata, como um flash linguístico. Por isso a imagem não é mero enfeite do discurso e, sim, elemento visceral da expressão. 

Essa forma foi uma das escolhidas por Clécia Santos em Vozes e silêncios para proporcionar surpresas aos leitores. Daí o silêncio que antecede a reação do leitor face ao inusitado, recepcionado em leitura, mediante combinações inesperadas por meio de uma linguagem poética que desestabiliza o discurso cotidiano utilitário. Daí também as vozes dos eu-líricos nos poemas, algumas delas dando um trato no silêncio e seus efeitos. Sendo assim, esta obra propõe um pacto ao leitor: firmar instantes catárticos, através de pensamentos, ora aforísticos, mas sempre imagéticos. 

Vejamos uma amostra da poética de Clécia Santos quando traz um dos sentimentos mais humanos ligados ao instinto de
sobrevivência, o medo; e também, quando ela aborda a imaginação, dentro de uma mente que cria expectativas:

medos
entregues, escondidos...
porta fechada.
o quarto... meu abrigo.

viajante
meu tempo é sonho.
sou vida além-mar…
pés! cansaço medonho!

Em um segundo momento do livro, há outras partilhas de seus experimentalismos poéticos em versos livres e brancos, mergulhados na subjetividade de quem observa o cotidiano do mundo, capta-o e dá forma, seguindo a própria intuição:

[...]
há a intuição.
ora ela brilha
ora ela dorme...
a inspiração fala alto
escrevo coisas
nessa nuvem de papel.

É, dessa maneira, escrevendo sua poesia na nuvem de papel, que a autora cria uma atmosfera própria para dar o devido destino às palavras. Sua matéria-prima vem da natureza, a humana e que contemplamos. De forma sensível, a autora nos convida a um exercício contemplativo de ambas em um momento no qual estamos retomando nossa experiência coletiva, após um momento tão delicado de isolamento social.